
Versão em português de Drops of Water: Their Marvellous and Beautiful Inhabitants Displayed by The Microscope (1851), de Agnes Catlow.
Detalhes do livro:
112 páginas | ISBN: 9786585273398
Capa dura | Contém ilustrações originais das quatro lâminas observadas ao microscópio e desenhadas por Agnes Catlow.
Equipe do livro:
Tradução: Angela Ikeda
Projeto gráfico e diagramação: Andréia Carvalho Gavita
Transcrição: Jislaine Figueira Coradel Coltro
Apresentação: Danielle Rech
Revisão: Elciana Goedert
Nota da editora

Gotas de água, a presente edição, contém o texto traduzido da publicação original de Drops of Water: Their Marvellous and Beautiful Inhabitants Displayed by The Microscope (1851), de Agnes Catlow.
As ilustrações originais das quatro lâminas, com as gotas de água observadas ao microscópio, estão reproduzidas nas folhas guardas.
O projeto gráfico do livro foi concebido para representar e aproximar as gotas de água e os ocelos — padrões que lembram olhos nas penas do pavão —, acompanhando a sugestão de Agnes, que nos incita a encantar-nos com as fabulosas construções biológicas micro e macroscópicas, representadas pelos maravilhosos e belos habitantes das gotas de água revelados pela microscopia.
O frasco coroado contendo um pavão (utilizado no projeto gráfico) é a figura 16 do manuscrito Splendor solis, um tratado alquímico ilustrado do século XVI, datado de 1532 a 1535, presente na alegoria associada ao planeta Vênus. Outras figuras do mesmo tratado ilustram a quarta capa.
Alquimia e bruxaria foram (e ainda são) o ensaio para a ciência. Os “caderninhos” de anotações das mulheres estão repletos de ambas.
O livro de Agnes é, ao mesmo tempo, um “caderninho” e um livro científico, mas também um grimório (diário de bruxas), que merece esta reedição pela gentil e mágica transmissão do conhecimento, como era desejo da autora.

Apresentação
Quem é Agnes Catlow (1807-1889)? Uma poeta britânica da microscopia? Uma cientista vitoriana lírica? Uma pesquisadora outsider que transformava conhecimento em escritos literários? Provavelmente, quem lê este texto, não conhece, ou conhece pouco a autora do livro Gotas d’Água e seu trabalho. Grande nebulosidade incide, não somente sobre sua biografia, mas também sobre sua formação científica, mesmo diante de sua publicação mais afamada, o Popular Conchology (1842), com mais de 350 páginas sobre famílias de conchas existentes e conchas fósseis. Agnes Catlow produziu uma obra consistente e interessante como pesquisadora, ao ponto de nos contagiar quando a acessamos, despertando nossa vontade de colocar mais atenção sobre a autora e seu trabalho.
A tradução brasileira de Drops of Water: Their Marvellous and Beautiful Inhabitants Displayed by The Microscope (1851), disponível em domínio público, transcrita por Jislaine Figueira Coradel Coltro e traduzida por Angela Ikeda (bióloga e geneticista atuante no Laboratório de Biotecnologia Florestal do Departamento de Ciências Florestais da UFPR), publicada pela editora Donizela, coloca luz sobre uma pesquisadora detalhista, apaixonada pelo mundo microscópico e com grande destreza literária, ao ponto de esquecermos que estamos diante de conteúdos científicos. Agnes desafia a fixação das demarcações entre ciência e literatura, fabrica fronteiras elásticas entre ambas, criando uma estética literário-científica singular. Também realiza outro grande feito: a busca por romper com a bolha elitizada das produções das ciências naturais no século XIX, promovendo uma democratização do conhecimento científico através de uma linguagem fluida e lúdica, sem o habitual rebuscamento acadêmico. Uma escrita da proximidade com as pessoas interessadas na natureza, não uma escrita da exclusão.
Gotas de água é uma aventura científica pelo mundo em que os olhos não alcançam. Essa jornada captura nossa concentração por meio das belas e minuciosas descrições de animálculos encontrados em quatro gotas d’água, colocadas em lâminas e observadas por meio de um microscópico. No livro também são encontradas litografias assinadas por “Achilles del et lith”. Não se sabe se Aquiles era um ilustrador, ou um pseudônimo criado pela própria autora e sua irmã, Maria Catlow. Essa incógnita no que tange à autoria explícita, pode nos fazer rememorar Maria Firmina dos Reis (1822-1917), escritora negra brasileira e antiescravagista, a primeira a produzir um romance abolicionista, Úrsula (1859). Maria Firmina não se identificou como autora, assinando apenas “uma maranhense” diante do terreno minado sobre o qual se encorajava a escrever naquela época, assim como diante das reivindicações de direitos políticos, sociais e econômicos para pessoas escravizadas e alforriadas. Ou Mary Shelley (1797-1851), escritora britânica famosa por seu romance gótico Frankenstein (1818), que só o assinou na segunda edição, sendo a primeira publicada sob autoria anônima. Seriam escolhas em razão de dúvidas quanto à relevância e qualidade de suas produções? Medo de serem criticadas por exporem seus trabalhos? Receio de serem malsucedidas em suas empreitadas simplesmente por serem reconhecidas como mulheres? Ou ainda recursos defensivos para evitar depreciações machistas? Voltando à publicação de Gotas de água, e ao encantamento visual que promove, é inegável que suas vívidas ilustrações engrandecem a experiência de quem lê quando articuladas com a estética literária da narrativa de Agnes. Há também um poema que encarna uma potência imagética no início do livro, o que já traz o tom científico-poético que se alonga pelas páginas. Também é importante mencionar que a autora-pesquisadora não se esquivou do diálogo com os trabalhos acadêmicos já produzidos pelos naturalistas da época, inclusive tece reflexões comparativas interessantes, assim como explicita os obstáculos e caminhos epistemológicos aplicados em sua pesquisa. A inquietação movia Agnes Catlow a desbravar novos saberes. A autora realizava muitas viagens de estudo, às vezes, acompanhada da ilustradora Maria Catlow, também uma escritora científica, ambas engajadas em tornar as ciências naturais acessíveis a um público amplo. Vem à mente o quão prazeroso, sem retirar a importância dos trabalhos realizados por elas, seria se deslocar pelo mundo em companhia da irmã, e ambas pesquisando e ilustrando o que lhe interessavam. É válido mencionar que as irmãs Catlow desfrutavam de certos recursos econômicos e participação em uma rede de relações com estudiosos naturalistas, subsídios que permitiam que seus trabalhos de pesquisa e publicação fossem realizados. Contudo, também enfrentavam dificuldades por serem mulheres determinadas a produzir conhecimento em espaços orientados por valores patriarcais. Agnes conhecia bem os trabalhos mais recentes de autoridades sobre microrganismos, contudo, enquanto mulher, desenvolveu estratégias desviantes para construir conhecimento em espaços majoritariamente ocupados por homens. Em Gotas d´água, a pesquisadora é cerimoniosa quando se refere aos estudos dos homens. Ela minimiza seu trabalho ao ponto de produzir uma humildade que incomoda, e coloca seus estudos como meramente amadores e introdutórios para estudantes e jovens amantes da natureza, mesmo possuindo vasto conhecimento sobre as ciências naturais, como a zoologia e a entomologia. Seriam estratagemas de uma pesquisadora outsider obstinada a encontrar um lugar para poder construir conhecimento? O fascínio de Agnes pelos hábitos e peculiaridades dos animálculos fica evidente em seu texto. Por meio de um olhar cientifico literário, detém-se em descrições sensoriais e criativas acerca das formas que visualizava. Ela nos fala da forma “de lua crescente” de alguns seres microscópicos. Sobre o gênero Spirillum, menciona que “os fios se assemelham a um saca-rolhas”. Ou ainda explicita que o Navicula, possuía forma “de um pequeno barco e seu movimento silencioso”. Mergulha nas cores vivas e profundas desses seres microscópicos, “de um verde brilhante”, ou “de um vermelho-sangue”. Circula por sensibilidades poéticas quando chama a atenção para o fato de que espécie E. elegans, “são mais abundantes na primavera”, assim como quando aciona a metáfora da dança para representar o gênero D. inequalis, que “parecem manter uma dança alegre entre si, avançando e recuando, ou deslizando uns pelos outros com os movimentos graciosos”. Uma bela imagem! A estudiosa encanta-se com o gênero Vibrio, o qual narra que “é mais flexível e as correntes se movem como uma cobra”. Ela parece deslocar-se juntamente com os “pequenos objetos observados se movendo 12 em diferentes direções com grande prazer”. Agnes parece usufruir de uma liberdade e fluidez em sua escrita, motivada por suas observações de pesquisa e por sua sensibilidade poética. Liberdade acompanhada de um olhar autêntico, percebidos, por exemplo, em algumas situações, em que parece assumir o ponto de vista dos animálculos, personificando-os. Assim como fez a brilhante escritora londrina, Virginia Woolf (1882 1941), que escreve sob o ponto de vista de um cão no livro Flush (1933). Agnes Catlow faz uso de um perspectivismo que dá consistência a seus relatos de pesquisa. Fica maravilhada com o fato de que uma gota d’água possa conter uma multidão de seres animados “todos linda e curiosamente construídos, desfrutando a vida e atendendo a seus variados desejos”. O gênero Pediastrum “é composto de muitas espécies, todas sendo mais ou menos estreladas... são seres muito curiosos e logo chamam a atenção”. Os recursos estéticos criados pela pesquisadora-escritora tornam o livro estimulante. As obras de Agnes Catlow presentificam a participação das mulheres enquanto pesquisadoras. Em uma história marcada por apagamentos de autoria em virtude de relações assimétricas de gênero, também podemos mencionar em razão da classe, etnia, religião, identidade de gênero, etc.; por silenciamentos; por falta de reconhecimento, e por descobertas que foram indevidamente apropriadas por outras pessoas, a publicação da tradução de Drops of Water é um ato de protesto e revide contra a invisibilização, subjugamento e violências sofridas pelas mulheres e suas produções. Há de se denunciar que a pesquisadora-escritora foi vítima de plágio. O norte-americano Joseph Wythes (1822-1901) foi acusado de copiar o trabalho de Catlow, reproduzindo fielmente as placas e as descrições dos infusórios retiradas diretamente de Drops of Water, configurando uma violação grave dos direitos de autoria, o que nos faz problematizar quantas vezes esse ato ilícito e desrespeitoso não teria sido praticado em relação aos trabalhos realizados por mulheres. Agnes promoveu, e segue nesse movimento através dos tempos, possibilitando reconhecimento da competência e autoria das mulheres, ao mesmo tempo em que fomenta um tensionamento sociopolítico e cultural no que tange à fixação de posições essenciais e reificadas para as mulheres, friccionando práticas e valores falocêntricos, machistas e misóginos. As mulheres pesquisadoras, escritoras, artistas, trabalhadoras, que seguiram produzindo, pesquisando e publicando seus trabalhos, mesmo diante de inúmeros obstáculos, tiveram e permanecem exercendo um papel fundamental na história da ciência, da literatura, da humanidade. A publicização e reconhecimento dos trabalhos das mulheres é um ato político de suma importância que precisa ser perpetuado através dos tempos e disseminado pelos mais diversos espaços sociais e culturais.
Para as pessoas que tiveram a sorte de cruzar com o livro Gotas d’água em seus caminhos, ou para aquelas que se lançaram em uma busca intencional por essa publicação, anuncio que Agnes promete diversão: “para aqueles que gostam de investigar a história natural encontrarão aqui amplo espaço para diversão”. Sendo assim, desfrutemos do aprendizado brincante que Agnes lança no mundo.
Danielle Rech

O livro está disponível para encomenda na loja virtual da editora pelo link. Mais detalhes sobre a publicação em: A gota d´água de Agnes
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